Amor: você sabe o que significa? Muitas vezes, alguns conceitos parecem óbvios. Seja porque fazem parte da nossa rotina ou estão a torto e direito nos espaços midiáticos.
Entretanto, é fácil não refletir sobre o que de fato esses conceitos significam. Quando falamos de amor, tema tão presente na nossa cultura, refletir criticamente nos ajuda a ter uma melhor relação com nós mesmas e com nosso entorno.
Não por acaso, a Herself escolheu esse tema para ser trabalhado durante os próximos meses. Por conta disso, buscamos um livro para jogar luz em algumas ideias. Chama-se “Tudo sobre o amor: novas perspectivas”, escrito pela teórica feminista bell hooks (1952 - 2021).
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Qual o conceito de amor?
Bom, primeiro, vamos entender esse conceito. Antes de mais nada, o amor é muito mais do que ter alguém para passar o Dia dos Namorados. Ou mesmo tem a ver com aqueles filmes românticos que você assistiu na adolescência. Na verdade, para aprender sobre o que é o amor temos que esquecer tudo aquilo que nos ensinaram sobre ele.
O primeiro equívoco é entender o amor como um sentimento, quando, na verdade, ele é uma ação. Para bell hooks é a ideia de ação que possibilita que tenhamos responsabilidade e compromisso com o que a autora conceitua como “prática amorosa”.
Essa ideia desromantiza o amor como esse sentimento incondicional. Esse que tudo pode suportar ou perdoar. Aliás, foi por trás dessa lógica que surgiram tantas crenças na irracionalidade do amor. Irracionalidade essa sempre colocada como algo característico das mulheres. Contudo, essa narrativa não só nos coloca em uma posição inferior aos homens, como também menospreza a auto responsabilidade. Sim, entender o amor como uma prática, o torna uma emoção participativa.
Além disso, perceber o amor como uma prática nos afasta de pensamentos limitantes sobre seu conceito. Uma prática amorosa não se dá apenas em relacionamentos afetivos-sexuais. Portanto, o amor é uma ação que pode florescer dentro de qualquer relacionamento, seja na família, amizades, e sobretudo: com si mesma.
Por que é tão difícil amar a si mesma?
Se você enfrenta dificuldades de se amar, não se preocupe. Infelizmente, isso é mais comum do que você pensa. Parece chover no molhado falar sobre a importância do amor-próprio, não é mesmo? É que de fato, esses estímulos e palavras de ordem sobre se amar estão em toda parte, mas ninguém nos diz como começar.
Além disso, existem forças “maiores”. Vivemos numa sociedade patriarcal. Isto é: ser socializada como uma mulher nos coloca numa posição inferior aos homens na sociedade. Nesse sentido, há um sistema todinho que cultiva uma dominação em relação aos nossos corpos. Junte isso a indústrias que lucram com a insegurança feminina e pronto. Você tem um mercado que cria inseguranças para nos venderem produtos. Odiar o seu corpo e a si mesma é um projeto muito bem planejado, viu?
Portanto, amar a si mesma também passa por treinar um olhar crítico a sociedade que vivemos, entendendo que muitos desafios que passamos não são individuais. Assim dizendo, cair nessa armadilha é, na maioria das vezes, muito fácil.
Identificando o que não é amor
Definitivamente, para (re)aprender o que é o amor, é preciso deixar para trás muitas ideias. Uma delas começa na nossa formação. Trata-se de que o abuso e amor podem coexistir. Sim, ouvimos de nossos pais que a violência se justifica porque eles nos amam e querem nosso bem. Que bater — ou mesmo espancar — uma criança, a fará mais disciplinada e forte. E sem perceber, crescemos e acabamos em relações adultas que naturalizam as mesmas violências.
Pode ser difícil digerir — e tudo bem, amiga, esse é um processo! Mas onde existe qualquer tipo de violência, seja física ou emocional, não há amor. Para hooks, o conceito de amor se baseia no cuidado, compromisso, responsabilidade, respeito e confiança. Onde faltar qualquer um desses itens, não existe um amor verdadeiro.
Contudo, isso não significa que o amor seja fácil. Muito pelo contrário. Como ele envolve compromisso e responsabilidade, precisa ser trabalhado, nutrido e sustentado. E cá entre nós: essa não é uma tarefa fácil. O que devemos entender é que o amor envolve um ato de vontade e escolha. Por isso, esqueça os moldes “hollywoodianos” de amor romântico. O amor não nos deixa “cegos” e nem ocorrem desprovidos de intenção e responsabilidade. Não por acaso, essa narrativa, na verdade, coloca as mulheres em posições de abuso e vulnerabilidade.
Como se amar mais?
Ok, já aprendemos a pensar duas vezes ao acreditar que qualquer coisa é amor, certo? Mas será possível construir qualquer tipo de amor sem antes se amar?
A resposta é infelizmente: não. Quando não cultivamos o amor-próprio, procuramos nas relações o afeto que não damos a nós mesmas. Em relação à sociedade, isso nos coloca em constante estado de validação. Ou seja: se não temos nossas ações ou nossa imagem aprovadas pelo entorno, sentimos insegurança ou tristeza.
Do ponto de vista das relações, sejam românticas ou não, a falta de amor-próprio cria dependências emocionais. Portanto, é necessário aprender a aproveitar a própria companhia, cultivando momentos de solitude e contemplação.
Ademais, para construir uma autoestima, precisamos estar sempre repreendendo as vozes internas que dizem que não somos boas o bastante. Lembre-se de tudo que o ambiente externo dita que como certo, belo e bom, são construções sociais. Entendendo isso, é mais fácil iniciar um processo de autoaceitação.
“A socialização machista ensina às mulheres que a autoafirmação é uma ameaça à feminilidade. Aceitar essa lógica equivocada prepara o terreno para a baixa autoestima. O medo de ser assertiva costuma emergir em mulheres que foram treinadas para ser boas meninas ou filhas prestativas.”
Por fim, não temos como cultivar o amor-próprio sem ir atrás da vida que queremos e merecemos. Essa parte é especialmente difícil, sobretudo numa sociedade machista, racista e desigual. No entanto, liste as coisas que realmente importam para você. Isso vai além da aparência. Tem a ver com criar e autoafirmar quem você é e o que você deseja.
Sugestão de leitura: O prazer feminino e a importância do autoconhecimento
Amor pode ser múltiplo
“O amor é a vontade de se empenhar ao máximo para promover o próprio crescimento espiritual ou o de outra pessoa”
O amor é intrinsecamente coletivo. É a partir das relações — com as pessoas, com a natureza — que podemos nos entender como indivíduos, pertencentes à sociedade. Portanto, é preciso ressaltar que o amor também é uma prática política. Sendo assim, aprender a amar a si mesma e amar de forma saudável outras pessoas e seres pode ser aprendido em conjunto.
Confira algumas maneiras de praticar o amor, muito além do romântico.
Amar o nosso trabalho
Viver com propósito pode ser um assunto de muito privilégio. Na nossa sociedade, a maioria de nós trabalha com o que dá para colocar a comida na mesa. Num mundo ideal, teríamos mais satisfação e sentido no trabalho que realizamos diariamente.
No entanto, podemos nos dedicar a pequenos ofícios e atividades que preencham nosso ser. Isto é: descobrir habilidades e práticas que façam bem para nossa saúde mental. No campo do trabalho, se você puder escolher uma profissão que faça sentido para você e para o planeta, vai experienciar sentir mais amor. Isso está diretamente ligado com a construção da nossa autoestima também!
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Cultivar afetos nas amizades
Você pode ter muita realização cultivando afetos nas amizades. Aliás, é comum ter experiências mais saudáveis em amizades, do que em relacionamentos românticos. Isso porque a ideia de cuidado, responsabilidade e comprometimento geralmente já está mais consolidada entre amigos.
Não à toa, muitas vezes as conexões que criamos ao longo da vida tornam-se tão fortes — senão mais fortes — do que entre a família de sangue.
Amar a nossa comunidade: familiares, vizinhos ou colegas
Você já deve ter ouvido falar de que crianças não deveriam ser criadas simplesmente num núcleo familiar de mãe ou pai. Estudiosos afirmam que contextos de criação com mais pessoas — as chamadas famílias estendidas — são mais seguras e saudáveis não só para os pais, mas também para as crianças.
Numa sociedade mais igualitária e amorosa, entenderíamos que o papel de criação de uma pessoa é coletivo. Ou seja, não haveria tanta sobrecarga para mulheres e as atividades de reprodução social seriam compartilhadas entre as pessoas.
Mesmo distante dessa realidade, ainda sim, podemos desenvolver relações positivas com nossos colegas de trabalho, familiares e vizinhos. Isso significa ajudar, doar e compartilhar sempre que preciso. Esses também são atos de amor.
Amor pelo nosso ecossistema e seus seres
A prática amorosa também se manifesta no mundo que acreditamos e queremos construir. Por esse motivo, o amor também é político.
Entender que não estamos à parte do mundo que vivemos também possibilita amar a nós mesmos e ao ambiente. Isso vai além de doações pontuais a pessoas em situação de vulnerabilidade, por exemplo. Mas de se enxergar como cidadão, protagonista nas mudanças sociais.
Por aqui na Herself, colocamos isso em prática a partir da dignidade menstrual e da luta pela equidade de gênero. Se você quer saber mais a respeito, comece aqui.
Para se aprofundar: Pobreza menstrual, o que você pode fazer para combatê-la
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Então, como você tem praticado o amor? Esperamos ter deixado boas reflexões por aí. Não deixe de contar pra gente suas impressões para seguirmos a conversa. Afinal, o amor é diverso, múltiplo e poderoso. Seguimos aprendendo juntas!