Antes de mais nada, imagine a cena: você está menstruada e não tem protetores menstruais. Ou ainda, não tem água para lavar as mãos ou papel higiênico para conter o sangue. Pois bem, essa é a realidade de muitas brasileiras que vivem a pobreza menstrual na pele.
O que é pobreza menstrual?
A pobreza menstrual é uma condição de vulnerabilidade física, emocional, econômica e social. Infelizmente, isso ocorre pela falta de acesso a banheiros, saneamento básico, protetores menstruais e informações seguras sobre o próprio corpo. Em situações como essa, os absorventes descartáveis acabam sendo considerados artigos de luxo.
Portanto, na contramão dessa condição, lutamos por dignidade menstrual. Isto é: acesso a protetores menstruais seguros, manejo da saúde pessoal e educação menstrual de qualidade.
Como surgiu o termo pobreza menstrual?
Não há um consenso da origem do termo “pobreza menstrual”. Isso porque ela não se manifesta em um só local: está presente em países considerados “desenvolvidos” ou não, em diferentes contextos socioeconômicos e culturais. No entanto, sabe-se que o tema vem sendo discutido junto ao manejo da higiene menstrual (MHM) e seus desafios.
Além disso, um dos precursores a divulgar esse tema foi o movimento internacional Menstrual Hygiene Day (Dia da Higiene Menstrual), lembrado sempre no dia 28 de maio. Esse órgão internacional passou a pautar, sempre no mês de maio, ações de combate à pobreza menstrual.
Do mesmo modo, em 2014, a Organização das Nações Unidas (ONU) passou a reconhecer o acesso à higiene menstrual como pauta de saúde pública e de direitos humanos. E, depois disso, o tema popularizou-se ao redor do mundo, sendo discutido com mais fervor desde 2018.
Uma observação: entendendo o impacto que a linguagem tem no imaginário sobre a menstruação - bem como todos os tabus que a envolvem, preferimos não reforçar o termo Higiene Menstrual, mas sim Saúde Menstrual: considerando as narrativas que põe a menstruação no lugar do sujo e do nojo. Saúde menstrual nos permite não somente celebrar essas datas e movimentos, como impulsionar o que acreditamos: a menstruação e a ciclicidade como sinais de saúde.
Quais são as consequências da pobreza menstrual?
Como consequência dessa precariedade, meninas e mulheres recorrem a métodos inseguros para conter o próprio sangue. Como folhas de jornal, folhas de árvore, telhas ou mesmo miolo de pão.
Para as adolescentes, essa falta de acesso a saneamento e a produtos de higiene faz com que as meninas, não só corram riscos de saúde, como também parem de ir à escola e tenham suas possibilidades de desenvolvimento limitadas.
Quem sofre com pobreza menstrual?
As pessoas em situação de vulnerabilidade social são, sem dúvidas, as mais afetadas pela pobreza menstrual.
Por esse motivo, pessoas moradoras de abrigos, em cárcere, refugiadas e em situação de rua sofrem mais. Pela invisibilidade do tema para o setor público (políticas públicas ainda são recentes), esses grupos não recebem protetores menstruais de forma gratuita. Além disso, na maioria das vezes, não possuem informações seguras de como lidar com o próprio corpo.
Sendo assim, para analisar esse problema também temos que considerar os marcadores sociais, como a raça. Conforme dados do relatório “Livre para Menstruar” (Girl Up Brasil), as mulheres negras são mais afetadas. No Brasil, estima-se que 17,5% das pardas e 15,7% das pretas não recebem água encanada regularmente, sendo esses os dois grupos étnicos com acesso inferior à média geral de 13,2% da população.
Como a pobreza menstrual afeta as estudantes?
Entre as consequências da pobreza menstrual, está a evasão escolar. Segundo relatório da ONU em 2020, 10% das meninas perdem aula quando estão menstruadas.
O problema ainda é mais complexo. Mesmo quando meninas não faltam à escola, sua produtividade é afetada. Afinal, elas experienciam o constrangimento e o medo de vazamentos:
Quanto uma menina menstruada é capaz de aprender enquanto se pergunta se na próxima troca de absorventes haverá papel higiênico, água na pia ou local para descarte do material usado? (Livre para Menstruar, 2020)
Pobreza menstrual no Brasil dados
Em 2015, a Pesquisa Nacional da Saúde do Escolar (PENSE) do IBGE relatou que cerca de 213 mil meninas não têm banheiro em condição de uso na escola. Destas, 65% são negras. Ou seja, esses números explicitam a falta de infraestrutura do ensino público no Brasil. Ainda, que a pobreza menstrual se sobrepõe às questões de raça e classe.
Já em 2021, o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) publicaram um novo relatório, avaliando o contexto brasileiro. Dessa forma, eles estimaram que mais de 713 mil meninas vivem sem acesso a banheiro ou chuveiro em seu domicílio e faltam mais de 4 milhões de itens mínimos de cuidados menstruais nas escolas. Ou seja, de lá pra cá, esses dados se mostram ainda mais alarmantes.
Os desafios no combate à pobreza menstrual no Brasil
Fica evidente que os problemas de infraestrutura de saneamento básico no Brasil são um dos agentes da pobreza menstrual. Assim, faltam condições que garantam o manejo da saúde menstrual de forma segura e adequada.
Para enfrentar essa realidade, não existem soluções fáceis. Entretanto, a melhoria no acesso da população à água potável e o tratamento de esgotos já traria muitos ganhos à saúde, como aponta o Instituto Trata Brasil (Agência Brasil). No caso da pobreza menstrual, investimento em infraestrutura escolar, papel higiênico e sabão seriam essenciais. Nesse sentido, as políticas públicas devem prover tais condições.
Caso você queira entender melhor sobre o assunto, o The Intercept Brasil fez um vídeo que questiona o motivo do Brasil ainda não considerar o absorvente como um item de cuidado básico. Afinal, dessa maneira seu valor se tornaria mais em conta, já que não conteria impostos.
Sugestão de leitura: ‘Pobreza menstrual’: jovem britânica convence parlamento a distribuir absorventes em escolas
Por que a pobreza menstrual é um problema de saúde pública?
Estima-se que a pobreza menstrual gere danos físicos e mentais. Isso porque a falta de acesso a protetores menstruais pode causar não só infecções como candidíase, mas também complicações mais sérias como vaginose bacteriana. Do ponto de vista psicológico, essa vulnerabilidade afeta a autoestima e o desenvolvimento de quem menstrua. Embora não existam estudos conclusivos, a insegurança e a falta de dignidade podem acarretar transtornos como depressão e ansiedade.
Desde a Constituição Federal de 1988, entende-se que o Estado tem o dever de proporcionar saúde integral às pessoas. Isso significa entender o ser humano e suas necessidades em diferentes contextos sociais, proporcionando bem-estar. Nesse sentido, é dever do Estado garantir a promoção de saúde menstrual, como veremos a seguir.
Pobreza menstrual lei
Desde 2020, surgiram inúmeros projetos de lei pautando a dignidade menstrual. O coletivo de ativistas Girl Up Brasil (Fundação da ONU) teve um papel importante nesse caminho. Dessa forma, elas começaram a pressionar o poder público para incluir absorventes nos kits de cesta básica em todo o Brasil.
No Distrito Federal, por exemplo, foi sancionada a lei da deputada Arlete Sampaio, que prevê a distribuição gratuita de absorventes em escolas e em Unidades Básicas de Saúde para mulheres em situação de vulnerabilidade e estudantes da rede pública.
Como você pode ver aqui, a construção do texto da deputada foi feita em conjunto com o Girl Up Brasil e com o nosso apoio. Nem precisamos dizer que ficamos super orgulhosas de fazer parte disso, né?
Em 2021, também levantamos dados sobre a situação das mulheres em cárcere e apresentados à deputada Luciana Genro, que a partir disso propôs a Lei n.º 96/2021, cujo objetivo é proporcionar dignidade menstrual às mulheres apenadas. Foi uma honra auxiliar na justificativa desse projeto tão necessário às mulheres em situação de privação de liberdade.
Ainda, em medida mais recente, neste ano o governo regulamentou o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual. Depois de muitas idas e vindas - incluindo o veto do presidente Jair Bolsonaro - a bancada feminina no congresso e ativistas menstruais pressionaram o poder público para revogar a decisão. Depois disso, a lei foi promulgada e entrou em vigor. Esse é só o começo!
Pobreza menstrual homens trans
A promoção da saúde menstrual não é uma pauta só de meninas e mulheres, mas também de homens transexuais e pessoas não binárias. Isso porque independente da identidade de gênero, pessoas que nasceram com o sexo biológico feminino ainda podem ciclar e, portanto, terem períodos menstruais. Por isso, é necessário garantir a inclusão social de todos e todas que menstruam.
Em 2021, tramitou um Projeto de Lei (PL) de distribuição de absorventes descartáveis na cidade de São Paulo. No entanto, apenas mulheres em situação de vulnerabilidade estavam incluídas. Pouco depois, a vereadora Erika Hilton (PSOL) entrou com uma ADIN (Ação de Direta de Inconstitucionalidade) para inclusão de pessoas trans e não binárias nesse projeto. Depois da medida ser barrada pela bancada fundamentalista, reverteu-se a decisão. Hoje, já é uma lei! Uma super vitória de 2022!
Pobreza menstrual ONU
Hoje, a pobreza menstrual já é reconhecida como um obstáculo aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, que visa alcançar tais metas até 2030.
Dessa forma, a pobreza menstrual prejudica as metas relacionadas com saúde e bem-estar, educação, trabalho decente, saneamento básico, consumo sustentável e, principalmente, o objetivo de equidade de gênero. Confira os trechos do texto de equidade que depende da dignidade menstrual:
- 5.1 “Acabar com todas as formas de discriminação contra todas as mulheres e meninas(...)”
- 5.5 “Garantir a participação plena e efetiva das mulheres(...) na vida pública.”
- 5.6 “Assegurar o acesso universal à saúde sexual e reprodutiva e os direitos reprodutivos.”
Caminhos para combater a pobreza menstrual no Brasil
Fica evidente que o problema da pobreza menstrual é multifatorial. Por isso, não existem respostas rápidas, mas sim soluções que devem ser propostas a muitas mãos. Existem alguns caminhos para que gostamos de destacar: criar e implementar mais políticas públicas e ampliar o acesso a diversos tipos de produtos menstruais. Investir em uma educação menstrual emancipatória e inclusiva.
O que a Herself faz para combater a pobreza menstrual?
A conscientização sobre dignidade menstrual esteve conosco desde a criação da Herself. Entendemos a necessidade de acesso à educação, à saúde e à formas de gerenciar a menstruação com autonomia. Acreditamos na Educação Menstrual como ferramenta de equidade de gênero e queremos nos responsabilizar.
Mas, na prática, como estamos fazendo isso? Vem ver!
Movimento “Cadê o absorvente?”
Apesar de já termos desenvolvido muitas ações de dignidade menstrual, ainda não estávamos satisfeitas.
Por isso, idealizamos o Cadê o absorvente?, unindo forças com diversos coletivos para impulsionar esse movimento nacional pela dignidade menstrual <3
Assine aqui a petição contra a pobreza menstrual e nos ajude a chamar atenção para essa pauta!
Educação Menstrual
Se você ainda não conhece, a Herself Educacional é nossa empresa-irmã. Com foco em Educação Menstrual, ela trabalha com o modelo cruzado. Isso significa que a cada workshop ou curso vendido para pessoa física ou jurídica, um workshop é realizado gratuitamente com crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade.
Além disso, há alguns anos a Herself Educacional atua com um projeto de Autonomia do corpo e Autonomia Financeira voltada para os institutos penais. Nossas educadoras realizam rodas de Educação Menstrual e oficinas de confecção de bioabsorventes com tecnologia Herself para mulheres em situação de privação de liberdade.
Ou seja, conversam sobre acesso a protetores menstruais e ao entendimento do funcionamento do próprio corpo ao passo em que compartilham o conhecimento para a produção de protetores para uso próprio como possível ferramenta de trabalho, uma possibilidade de empreendedorismo feminino com menstruação. Esse projeto é essencial porque estimula a ressocialização dessas mulheres.
Sugestões de leitura:
Educação Menstrual no cárcere: aprendizagem e autonomia
Como abrimos diálogo sobre menstruação produzindo bioabsorventes
Por fim, confira o Manual da Ativista Menstrual e faça parte dessa luta <3
Manual da Ativista Menstrual
Sabia que você também pode ajudar a caminharmos em direção à dignidade menstrual? Preparamos um manual para guiar as suas ações e te tornar um agente ativo no combate à pobreza menstrual. Vem conferir.
1. Assine a petição contra a pobreza menstrual, do Cadê o absorvente?
E compartilhe com mais pessoas 😉
2. Fale as palavras “menstruação”, “período menstrual”, “absorvente”, “vagina”, “vulva” etc
Não usar eufemismos faz com que o assunto seja mais natural e facilita os diálogos entre a sua rede.
Sugestão de leitura: Por que você fala “naqueles dias”? Fale “menstruação”!
3. Doe protetores menstruais para mulheres que precisam
Que tal deixar absorventes descartáveis na sua bolsa e doar para mulheres e meninas em situação de rua?
4. Organize uma rede de distribuição de protetores menstruais
Além das doações pontuais, você pode ampliar o impacto conversando com a sua comunidade, associação de bairro ou ONGs para criar pontos de coleta de absorventes.
5. Cobre políticas públicas
Fazer a nossa parte é essencial, mas quando estamos falando de problemas estruturais, isso não é o bastante. São necessárias políticas públicas – ou seja, ações dos nossos governos para nós, cidadãs e cidadãos – que podem agir melhorando estruturas de saneamento básico, disponibilizando protetores gratuitos e dando acesso à educação.
Por esse motivo, engaje as organizações que estão elaborando planos de ações nesse sentido! Todo apoio é importante.
6. Compartilhe e proponha reflexões na sua rede
A menstruação ainda é um tema tabu e invisível para muita gente. Por isso, trazer à tona o assunto como pauta de saúde pública é essencial. Compartilhe informações e abra diálogos com a sua rede.
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E aí, gostou? Então que tal compartilhar para que mais pessoas se conscientizem sobre o tema? 😉
Leia também: Higiene íntima: saiba que você pode pecar pelo excesso